Poema a guisa de resposta

Mais de uma vez já me perguntaram
porque a minha poesia
tem cor de mata queimada,
tem o odor dos pântanos,
e de música a máscara funérea de Bach.

Eu nunca me respondi!

Aliás me ocorre que nada havia a dizer.
Pois nunca há nada a dizer.
Não fossem as supostas perguntas veladas respostas,
e as respostas, perguntas que se atreveram beijar
soluções, irrespondíveis por serem perguntas às respostas
e respostas às perguntas? —
Ainda assim não fosse, alguém me diria que eu sou?
Quem sou eu, eu primeiro,
antes desse código que me deram ao nascer,
Desse nome usual e som pelo qual me chamam e atendo?
Quem sou eu dono de banco, rapaz de Cadilake,
jogador de futebol, moça de biquíni, padre,
comandante de navio, funcionário público,
artista de cinema, garçom de botequim?
Quem sou eu?
Que bem podia ser tudo isso e nada sou!
E que me compenetro
da minha condição de nada-tudo!
E que és tu?
Predisposto a me dizer que o mundo é assim,
a rir de minha loucura, a zombar de minha amargura,
Entretanto a gargalhar de mim!
E ainda que eu cantasse o amor?
Mas aonde o de meu e que me negaram?
E oh! Deus meu em que não creio
e era o único bem que eu tinha! —
Queriam que eu tecesse um bálsamo
e saltasse ao vento balões multicores?
Queriam!?
… Como se a isso eu fosse obrigado!
E então…
Porque em esfinge me oferecem esse Cavalo de Tróia?
Queriam que eu tecesse boas à virtude,
à moral, à vida?!
Esqueceram que a virtude é escassa,
A moral é vária,
A vida é carnaval!
E de sobra, — A RAZÃO —
É máscara, é tartufo, é plural!
Queriam sentir nas chagas pútridas
o sopro materno e acalentar as dores?
Queriam!?
Como se eu fôra fole!
Não comigo.
Não comigo, amigo.
Mas vossas santas feridas lançarei sal, pimenta, iodo,
pús e o que mais das minhas podres sobrar.
Não sou médico para pensá-las ou cicatrizá-las.

Para isso existe um Deus!
Dalton Porto – abril/59