Elegia

Lá onde o deixei…
… Lá onde o deixei…

Lá onde o deixei
Os pássaros cantam a alegria de viver!
O vento sussurra preces tristes,
e há em tudo
A calmaria pungente das cruzes brancas.
Lá onde o deixei…

Lá onde o deixei,
Um ponto qualquer na imensidão sepulcral
Há vida também,
Nas preces ditas…
Nos impressos lapidados…
Nas alegrias vividas,
Nas lágrimas corridas,
Nos prantos recalcados!
Nas próprias células mortas
A vida se perpetua! —
No espírito que se desprende
Nas vozes que vêm da rua,
Lá onde o deixei…

Lá onde o deixei,
Na avenida dos mortos,
Nas casas que dizem:
Aqui jaz fulano —
Os anjos brincam de roda,
Cantam e fazem serestas
E choram, às vezes, também.
Anjinhos iguais
Ficaram contentes,
Cantaram alegres
Modinhas de roda
Quando viram chegar.
“ Ciranda, cirandinha,
Vamos todos cirandar… “

Lá onde o deixei…

Lá onde o deixei,
Há árvores frondosas,
De verde esperança
das preces tristonhas que sobem aos céus.
Cantam as cigarras…
As hienas gargalham…
Tudo lá onde o deixei…

Nunca mais irei lá!
Nunca mais.
Ouvir o folhejar sussurrante,
O gorjeio dos pardais,
O vento cantante,
E um sol tão quente!
E um céu tão azul!
E uma calma tão profunda…
Nunca mais irei lá.

Nuca mais trilharei com os meus pés
Aquelas avenidas.
Nunca mais verei aquele profundo mar branco,
Imensurável mar silente —
Que ergue os braços em cruz,
E engoliu meu filho.

Nunca mais irei lá.
Nunca mais.

Lá onde o deixei…
… Lá onde o deixei…
Dalton Porto – 12 / 1955

Mensagem

É fácil fazer um poema!
— Dispa uma mulher bonita.
Pode não ser poesia: — Será contentamento!
Transforma o pranto dos humildes
em pepitas de ouro.
Pode não ser poesia: — Há de ser riqueza!
Teça com os fios da sagacidade
a tua almejada promoção.
Poesia não será. Mas será PODER!
Namora a cadela de marfim.
Torna-te amante da esfinge de prata.
Venda o sexo na lei da oferta e procura.
Não é digno nem poético, mas… e daí?
Senta sobre um dicionário.
Pode ser que assim o cunho verdadeiro de cada
vernáculo te penetre, enquanto masturbas
entrechocantes regras de pontuação.
Componha parábolas!
Torna-te um nevoeiro tão denso,
mas tão denso,
que aquilo que disseres não seja aquilo:
A metáfora é amiga e ótima máscara.
Se fores rico, melhor ainda:
Basta convocar a ti a propaganda dos sábios.
O mundo está cheio de cretinos e religiosos.
Se é fácil fazer um poema?
— É fácil fazer um poema!
Debruça sobre os janeiros decorridos,
ou sobre os degraus da montanha de vidro.
Contempla os olhos da lua…
A seriedade dos anjinhos mortos…
As tranças da noite,
a odiosidade dos contrastes,
a escuma das ondas,
o perfume do lodo das sarjetas,
a essência da brisa,
o olhar da megera desdentada,
a alma dos boêmios,
a ternura da tristeza,
a potencialidade de uma lágrima,
a música silente das madrugadas,
o riso alvar das boas intenções,
a beleza das flores orvalhadas,
o despontar do sol, o nascer dos pregões!

Porque se poeta fores,
— tudo — tudo que disseres,
tudo que escreveres,
no muro da rua,
na esteira da lua,
na areia da praia,
… com sentimento,
sem polimento …
— poesia será!